About Me
Eu lembro do inÃcio como algo não muito distante do que viria a se tornar esse Selo.
Era o tempo em que moleques de 14 anos cruzavam as ruas da cidade de skate escutando no walkman fitas velhas do Beastie Boys, movidos por um sentimento de inadequação confuso e indefinido pois não haviam ainda dado conta do potencial de mudança e do real significado de suas atitudes.
É verdade, companheiros, e eu preciso dizer que em 1996 essa cidade era outra.
Mergulhada na passividade infértil da vida cotidiana, Brusque apodrecia sob as torres das igrejas levando amarradas em suas entranhas pessoas criativas. Não havia qualquer perspectiva para quem decidisse fazer música ou manifestar qualquer outra forma de arte. O costume arraigado nas pessoas dessa cidade de “fazer o mesmoâ€, “pensar o mesmo†criara uma atmosfera asfixiante a qual conduzia qualquer moleque de 15 anos que tocava algum instrumento a montar uma banda “Coverâ€. Porém, algo mais do que simplesmente tocar, pretendÃamos mudar a realidade inspirados por tudo aquilo que pensávamos e sentÃamos. Precisávamos fixar pensamentos, expressar sentimentos, fazer música de forma autônoma. O que foi um grande desafio.
Eu lembro precisamente quando já naquela época, o Alexandre recebia seus primeiros álbuns pelo correio e daà em diante decidiu montar uma Distro. Quem conhecia esse tipo de trampo e já o fazia naquela época sabe o que é postar dezenas de cartas semanalmente, fechar pacotes cheios de fitas cassetes demo, enviar dinheiro escondido em carta e esperar semanas para obter resposta. O advento da internet não havia chegado até então ao underground do terceiro mundo, o que tornava os gastos com o correio uma dificuldade a ser superada.
O dinheiro sempre foi um problema, nunca uma solução pra Fuckitall, assim como pra qualquer banda independente dessa cidade. A vontade de produzir, editar, distribuir sempre foi condicionada pelo recurso financeiro. Recurso o qual sempre nos faltou. Isso fez com que, infelizmente, tivéssemos que arranjar um emprego para ganhar algum dinheiro e dar continuidade aos projetos. Porém, trabalhar 8 horas por dia pra jovens que já haviam lido Marx, Engels e Paul Lafargue é algo realmente deprimente, emocional e fisicamente degradante.
Demissão, seguro desemprego, recontratação, demissão... Eis nossa relação com o trabalho por aqui. Você precisa entender o que isso significa em uma cidade de colonização germânica onde o ethos do trabalho é soberano. Em Brusque, se você trabalha você “existeâ€, e faz o seu pai sorrir pois ele terá o que falar de você quando alguém perguntar. O contrário é a desgraça, a vagabundagem, a falta de dignidade.
Mas! Quantas vezes caÃmos em desgraça ao longo desses anos, amigos? Hehehe!
Não é possÃvel ser exato.
Infelizmente, quando todas as instituições conservadoras estão contra você e você não tem força suficiente pra destruÃ-las, é preciso fazer um acordo: tolera-se algumas coisas, descumpri-se outras. A contra gosto, você sorri para o seu supervisor e para o seu pai pra poder se manter. Portanto, é sem orgulho que digo que a realização dos projetos da FuckitAll e das bandas independentes dessa cidade foram feitos com o dinheiro do trabalho assalariado. Esse dinheiro, que comumente seria destinado a comprar o acesso a “Educação Superior†ou algum outro souvenir, foi utilizado na edição de discos, na divulgação de material, na compra de instrumentos, na organização de shows.
Foi sob essas condições e através desses meios que surgiu a Fuckiall.
Sendo assim, para contar sua história seria preciso expor como aconteceu o atrito entre aquilo que sempre nos correu por dentro e a realidade dessa cidade provinciana. Seria preciso descrever em um longo relato como jovens se iniciaram na contra-cultura demonstrando em uma exposição de fatos a maneira incisiva e irreversÃvel que o punk e a polÃtica radical de esquerda foderam suas vidas. Lembrar de todas as confusões em que nos metemos na empreitada de arranjar um espaço pra tocar. Narrar os encontros com tantas pessoas interessantes que excursionaram com suas bandas por essa cidade. Falar de nossas bandas e projetos que se foram impregnados daquilo que somos. Lembrar da chegada das caixas de EP´s recém prensados e da euforia ao recebê-los.
Enfim, essa história não é curta, portanto difÃcil de ser contada.
Atualmente, a FuckitAll - mais do que editar discos e Zines, promover eventos, distribuir livros, agenciar bandas nessa cidade - procura elaborar um manual de sabotagem cultural raivoso e contundente. Tem com isso, encabeçado a destruição da tradição do plágio da música cover e alicerçado a atual cena independente.
Dessa forma, podemos dizer que estamos conseguindo abrir mil fendas no corpo morto dessa cidade, transformando localmente a realidade que nos cerca.
Os sonhos daqueles moleques de 14 anos parecem ter ganhado corpo e força. Continuamos, na essência, os mesmos; porém melhor armados, esclarecidos e articulados. Há muito a ser feito ainda nessa cidade e - afirmo - a Fuckitall é peça central neste processo.Ass.: Jean Carlos.
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