“Onde e como a bossa nova começou é relativamente sem importânciaâ€, dizia a revista Down Beat, em 1962. Que o público jazzófilo norte americano do fim dos anos 1950 tenha ficado assustado com aquele novo ritmo brasileiro, já era de se esperar. O curioso e imprevisÃvel é perceber que ainda hoje, aqui, no lugar de origem desse ritmo, esse como e por que da Bossa Nova permaneça sem resposta definitiva. Mais de quarenta anos depois, Mariano Marovatto sublinha, com seu disco de estréia, tal irrelevância.
Afinal, Aquele amor nem me fale, de Marovatto, é um disco de Bossa Nova. No entanto, o enigma de se sentar em um banquinho com um violão em mãos, tanto anos após tantas coisas - o advento do Tropicalismo, os Beatles, o Punk, os anos 80, o Grunge, o mangue bit dos 90, a internet – e de ter estado imerso em todas essas frentes define o verdadeiro estilo de Mariano. Não por acaso, cada arranjo de cada canção do disco foi sendo concebido e realizado por um ou vários músicos, conforme era gravado, através das próprias influências e sotaques musicais de cada um destes convidados. E não foram poucos. Nada menos do que 33 músicos do melhor quilate participaram da execução e concepção deste disco, numa escalação que provavelmente não exclui quase nenhuma banda carioca: Além de Jonas Sá – co-produtor do trabalho ao lado do próprio Mariano – Moreno Veloso, Davi Moraes, Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado – os três da banda de Caetano Veloso - Gustavo Benjão, Gabriel Bubu – baixista dos Los Hermanos - Marcos Thanus, Bruno Medina – também dos Los Hermanos – Vitor Paiva, Papel, Fabiano Ribeiro, Qinho, Alice Sant..Anna, Mariana Albuquerque, Frida Maurine, Nana Carneiro da Cunha, Antônia Adnet, Joana Adnet, Ligia Fabris Campos, Bernardo Palmeira, Botika, Duda Moraes, Claudia Rosa, Daniel Macacchero, Everson Moraes, Rafael Cosme, Löis Lancaster, Rodrigo Bartolo, Léo Monteiro, Mauricio Pacheco, entre outros. Seu próprio Clube da Esquina particular.
Mariano é formado em literatura, fez mestrado sobre a novÃssima poesia brasileira, faz atualmente doutorado também em poesia, e em 2006 lançou o livro O Primeiro Vôo (Ed. 7 Letras), junto do coletivo de poetas Os Sete Novos, que forma ao lado dos bisnetos do poeta Alphonsus de Guimaraens. Não é a toa que Aquele amor nem me fale seja um titulo tirado palavra por palavra de um poema de Oswald de Andrade. E a referência modernista antropofágica se justifica nas onze faixas que compõem o disco, como a desesperada canção “Gosto Muito de Vocêâ€, sucesso nos anos 70 na voz de Paulo Sérgio, sussurrada em uma irônica contenção contraditória, além de “Teuâ€, composta em parceria com Jonas Sá - um delicado duo vocal de Mariano e Jonas, num estilo bossa-novista hÃbrido, que também nos remete, no melhor dos sentidos, aos Paralamas do Sucesso – e que significa o som do rapaz. Um dos pontos altos do disco é a inesperada releitura de “Não é por não falarâ€, dos Titãs, em forma de samba de roda. Já na faixa Tanto, o clima solar confirma a veia pop de Mariano – feito um Herbert Vianna sob uma ressaca psicodélica, abandonando o reggae-rock pelo nylon da Bossa Nova. E a singela “Pra Ela†confirma esse delÃrio mezzo bossa-nova-pop, mezzo psicodélico-cool como o caminho que Marovatto bem escolheu.
O disco será lançado em 2008, promete dar inÃcio à uma série de shows, coroando essa bem vinda novidade no cenário carioca, que cada vez mais se renova, se transforma e se mistura, em uma amalgama de influências e sonoridades tão plural quanto as canções de Aquele amor nem me fale. A bossa nova já não era a mesma em 1962, quando a Down Beat se recusou a diagnosticar a origem daquele som. Agora é que são elas: é a chance da bossa nova voltar a ser nova, e mais ainda indecifrável, solta com todo prazer no tempo e espaço.Vitor Paiva, janeiro de 2008.