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Eles ainda se chamam Tantra
Arthur Dapieve
para o site www.nominimo.com.br em 20.04.2005
A história começa no tempo em que a MTV passava clip. Muito tempo, quase dez anos. Primeiro, em meados de 1996, vieram um single e um clip para uma música extraordinária chamada Corvos sobre o campo. Talvez você se lembre de um ou de outro, um rock aguerrido com um refrão autocolante (Yeah! Yeah! Yeah! Nada vai durar/ As maldades serão coisas belas enfim/ Nada vai durar tanto assim/ Abra os olhos então/ Olha os corvos sobre o campo) ou imagens inspiradas em Van Gogh, ou melhor, na visão de Sonhos, de Akira Kurosawa, sobre Van Gogh.
Antes do final daquele ano, chegou à s lojas um álbum inteiro, Eles não eram nada, produzido por Liminha e, como o single, com a capa feita por Luiz Stein. Uma conjugação de talentos que indicava, mesmo a quem tivesse perdido Corvos sobre o campo, que os autores das músicas gozavam de algum prestÃgio e confiança. O álbum não decepcionava. Ao contrário, talvez fosse até o melhor disco de banda estreante de 1996 (para mim, foi). Trazia Um dia de sol, lindÃssimo réquiem para um pai; trazia Mordacchia, Erika, Barbie e Ken; trazia, ainda, uma furiosa Tropicália.
Ah, o nome da banda era Tantra. Algum registro? PossÃvel e infelizmente não. Depois de soar como the next big thing, Fred Nascimento (voz e guitarra), Gian Fabra (baixo) e Marcelo Wig (bateria) se recolheram. Talvez tenha sido a responsabilidade de lançar outro disco tão bom, talvez tenha sido a necessidade de trabalhar em outras coisas para sobreviver. O fato é que o Tantra sempre com Nascimento e Fabra, mas no meio do caminho já sem Wig se recolheu por quase dez anos. Cinco deles gastos na produção de um novo álbum. Bem, a boa nova é que este álbum, A febre dos sonhos, está pronto. A má nova, que por enquanto ele é apenas um CD-R rodando de ouvido em ouvido.
Se Eles não eram nada saiu pela MCA, A febre dos sonhos procura pouso comercial. Essa falta de vÃnculo inicial, porém, fez bem ao resultado: o disco foi gestado sem pressão, sem prazo. Tanto tempo depois da estréia, livre do seu peso, o Tantra também se beneficia da ausência de expectativas. Quase ninguém mais se lembra dele. Tanto tempo depois, seus membros amadureceram ainda mais do que na primeira encarnação. Nela, Nascimento e Fabra já haviam sido músicos de apoio da Legião Urbana, o que, convenhamos, não é pouca coisa. O guitarrista hoje trabalha direto com o Capital Inicial. E o baixista foi o co-autor das letras dos dois discos solo do baterista da Legião, Marcelo Bonfá.
Além de Nascimento e Fabra, o Tantra versão 2005 é formado pelo tecladista Carlos Trilha, produtor dos discos solo de Renato Russo, e pelo baterista Lourenço Monteiro. Mais jovem dos quatro, Monteiro tocou , entre muitos outros, com Evandro Mesquita e Frenéticas no momento, responde pela bateria de Marcelo D2. Uma pergunta válida pode estar ocorrendo ao leitor: o acúmulo de referências legionárias em três quartos do Tantra significa que ele é um grupo tributário? Sim e não. Assim como experiências não se apagam, o quarteto carioca acalenta a seriedade e a melancolia que fizeram a glória da Legião. Contudo, se Eles não eram nada refletia o fascÃnio pelo britpop e pelo grunge, A febre dos sonhos tem referências mais clássicas dentro do rock, coisa de Led Zeppelin, Pink Floyd e tal.
O tÃtulo do álbum inédito foi tirado de Ode marÃtima, poema de Ãlvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa: Boa viagem! Boa viagem!/ Boa viagem, meu pobre amigo casual, que me fizeste o favor/ De levar contigo a febre e a tristeza dos meus sonhos,/ E restituir-me à vida para olhar para ti e te ver passar./ Boa viagem! Boa viagem! A vida é isto... A viagem de A febre dos sonhos é das boas, maduras e bem pensadas. Inclui músicas longamente buriladas, como O mundo perfeito e Quando você ouvir a minha canção, e produções mais recentes, como a delicada instrumental Piano painting, que funciona de vinheta entre os hipotéticos lados A e B. Nascimento, Fabra e Trilha são do tempo em que a gente se enamorava por LPs, vinil em contemporanês.
Se uma das músicas é candidata a Corvos sobre o campo dos anos 00, na minha opinião esta música é O zepelim, um baladão zen sobre o fluxo da vida. A faixa tem duas belas participações especiais: a poderosa Lilian Valeska (ex-Sublimes), fazendo vocalises à moda do Pink Floyd de The dark side of the moon, e a doce Fernanda Takai (do Pato Fu), substituindo Fred Nascimento num dos refrães um dia este dia vai chegar/ Um dia este dia vai passar/ Às vezes o mar também se revolta/ Tudo que vai de alguma forma sempre volta. Além das duas cantoras, Dado Villa-Lobos, o guitarrista da Legião, é a única outra canja em A febre dos sonhos: ele toca bandolim em Assim parece ser. O que leva a notar que o Tantra faz um bocado de som para um quarteto quase solitário.