Cantor, compositor, escritor (para adultos e crianças), actor (de teatro e cinema), realizador, Sérgio Godinho é, para citar uma das suas canções clássicas, o verdadeiro “homem dos sete instrumentos”. Mas, numa carreira artística de invejável longevidade, que se prolonga há 35 anos de modo quase intocável, foi o seu trabalho enquanto cantor-compositor que o tornou num ícone capaz de reunir à volta das suas canções gerações de diferentes idades, vivências e aspirações.
O insuperável acervo de canções que escreveu e gravou desde que se estreou em disco em 1971 inclui alguns dos clássicos maiores da música cantada em português dos últimos 50 anos, passadas de boca em boca e de geração em geração como raros outros músicos nacionais conseguiram assinar. “O Primeiro Dia”, “A Noite Passada”, “É Terça-Feira”, “Com um Brilhozinho nos Olhos”, “Espectáculo”, “Cuidado com as Imitações”, “Lisboa que Amanhece”, “Liberdade”, “Coro das Velhas”, “Caramba”, “Dancemos no Mundo”, “Barnabé” para apenas citar uma dúzia, atestam o seu talento para traduzir de modo pessoal e intransmissível, numa conjugação inseparável de palavras e melodias, experiências e emoções universais.
E, contudo, este músico responsável por algumas das maiores pérolas da poesia feita para ser cantada em português é alguém de insaciável curiosidade artística que nunca pensou vir a fazer uma carreira desta longevidade. Quando, radicado em França na transição dos anos 1960 para os 1970, Sérgio Godinho se começou a dedicar mais a sério à canção, era o teatro que lhe ocupava a maior parte do seu tempo, através da sua participação, durante quase dois anos, na produção parisiense do musical “Hair”. O seu talento de compositor foi-se forjando através do contacto com aqueles que abriam então novos caminhos à música popular portuguesa, sobretudo José Afonso — mas a capacidade de contar histórias em português solto e coloquial em apenas os três minutos que uma canção leva já estava lá todo, à espera que a rodagem, a experiência e o trabalho revelassem o diamante que se escondia ali dentro.
Companheiro de geração de outros nomes grandes da música portuguesa como José Mário Branco, Vitorino, Fausto ou Luís Cília, Sérgio Godinho soube contudo sempre trilhar o seu caminho pessoal, atravessando as eras da “canção revolucionária” do pós-25 de Abril e da “invasão” do rock português no início da década de 1980, aproveitando o que de melhor elas traziam mas mantendo-se resolutamente distante e, no processo, confirmando-se como um nome capaz de unir à sua volta gente vinda de todos os quadrantes do gosto musical. Mais importante ainda, soube manter uma saudável abertura à modernidade, não hesitando em trabalhar com músicos e produtores de universos aparentemente distantes do seu, recusando-se a ficar parado no tempo e procurando constantemente novas soluções para manter o seu trabalho relevante, contemporâneo e fresco — como ficou provado na reinvenção de muitos dos seus grandes clássicos com convidados especiais e novos arranjos em 2003 no álbum “O Irmão do Meio” (que se tornaria inclusive no seu maior êxito comercial de sempre — 1º lugar do top de vendas durante várias semanas).
Sérgio Godinho iniciou a sua carreira discográfica em 1971 com a edição do EP “Romance de um Dia na Estrada”, espécie de “entrada” para o seu primeiro longa-duração, “Os Sobreviventes”, publicado em 1972. Foi o primeiro de uma longa série de álbuns que, entre discos de material original, bandas-sonoras, álbuns em parceria e registos ao vivo, atinge este ano o opus 25 com a edição de “Ligação Directa”, primeiro trabalho de material original em seis anos.
DISCOGRAFIA:
Os sobreviventes (1971)
Pré histórias (1972)
À queima roupa (1974)
De pequenino se torce o destino (1976)
Pano crú (1978)
Campolide (1979)
Kilas, o mau da fita (1980)
Canto da boca (1980)
Coincidências (1983)
Salão de festas (1984)
Era uma vez um rapaz (1985)
Na vida real (1987)
Os amigos de Gaspar (1988)
Aos amores (1989)
Escritor de canções/ ao vivo (1990)
Tinta permanente (1993)
Noites passadas/ ao vivo (1995)
Domingo no mundo (1997)
Rivolitz /ao vivo (1998)
Lupa (2000)
Afinidades (2001)
Biografias do amor (2001)
Irmão do meio (2003)
De Volta ao Coliseu - DVD ao vivo (2004)
Ligação Directa (2006)
Nove e Meia no Maria Matos ao vivo (2008)!