Los Tornados

..Formado há um ano e meio, o trio paulistano Los Tornados é um passaporte à mais acessível e, curiosamente, menos comentada acepção musical do tecido pop: a surf music. A surf music sempre agiu como aquele segredo musical que permeia a memória e ninguém se dá por ele. Esse estilo que despontou oficialmente com o filme Gidget (em 1959 com a diva Sandra Dee) que incita a dança e automaticamente nos parece familiar é um dos raros que pulveriza o subconsciente e produz uma empatia de efeito imediato. Vale lembrar que o gênero se infiltrou em toda a escola sessentista do rock e I Feel Fine (Beatles) e Satisfaction (Rolling Stones) são apenas dois exemplos de surf guitar num contexto deveras mais amplo e popular.Com os Beach Boys, Jan & Dean, Pat Boone e Rip Chords, o estilo encontrou seu lado mais ortodoxo, simples e instantaneamente pop. Entretanto, uma segunda vertente que tinha como expoente Link Wray, Surfaris, Dick Dale e Trashmen apresentava o lado selvagem da surf culture.Ladeada pelo boom das garage bands e uma atitude proto punk, esse segmento buscava arranjos mais complexos, distorções de baixo e guitarras até então impensáveis na época, sintonia de ritmos na bateria e uma postura que flertava com a cultura trash e a cinematografia dos B-movies.O grande barato dos Tornados é a adoção da selvageria deste lado mais sofisticado da surf music, acoplado a elementos de psicodelia, psychobilly, trash-garage, rock 'n'roll e toda a onda retro-surf-futurista dos anos 90 (Man Or Astroman, Jackie & The Cedrics, Untamed Youth, Los Straitjackets, Mermen). Contando com músicos de altíssimo nível como o baixista Sonny Rocker e o baterista McCoy e o guitarrista Carlos Nishimiya, a sonoridade final é bombástica, primal e visceral, mas com uma técnica impecável em todos os sentidos.Nishimiya explica que "a idéia é um grupo de surf music não ortodoxo, que usa amplificadores vintage, instrumentos vintage, mas com distorções e outros efeitos na guitarra, além do tradicional reverb de Dick Dale. Soma-se ao trio, um arsenal de samplers que ora serve como link entre músicas, ora como introdução para os temas ou então como outro instrumento solo além da guitarra."Nishimiya esmiuça as entrelinhas de uma das muitas fórmulas usadas pelo grupo ao citar que "por exemplo em Batman, a música se inicia com um sampler com as vozes de Batman e R0bin e sons do Batmóvel; no meio da música com a bateria marcando o compasso entra outro sampler com outra fala de Batman. Tudo isso é acionado por um CD player portátil." Em tom conclusivo arremata que "o conceito do grupo é como se a história tivesse pulado dos anos 50 e 60 direto para o século 21. Assim Matrix se encontra com guitarras Fender, TV deformada em capacete de astronauta, máquinas de jukebox com laptops, garage com samplers."Além de composições próprias o trio revisita clássicos da surf music como Rawhide (Link Wray), Miserlou (Dick Dale) e Pipeline (The Chantays), como também reinventa clássicos do rock como Paint It Black (Stones) e pérolas de feições contemporâneas como Cecilia Ann (Pixies). Os arranjos fogem do lugar comum como o diabo da cruz, apresentando muita sutileza e um raro swing funkster principalmente nas elaboradas linhas de guitarra.A rapidez com que escorrem as notas e o frenesi da cozinha em Hornet's Nest (Los Straitjackets), o relevante arranjo com sabor de rumba-valseada na bateria de Malagueña (clássico flamenco), a (in)consciente evocação de In Memory Of Elizabeth Reed (Allman Brothers), nos riffs de Night Of The Living Wedge (Wedge), os chamuscantes arpejos que passeiam em Hang On (Link Wray), as labaredas aflamencadas de Carhop (Los Straitjackets) e a maleabilidade quirk da guitarra em Out Of Limits (Man Or Astroman, Ventures) são apenas rápidos exemplos de um vasto e caleidoscópico repertório. Com a fúria do rock 'n'roll e com a alma solta em carne viva em espaços nunca dantes navegáveis, Los Tornados fazem uma outra espécie de música. Prateada, estilhaçada, lancinante e sorridente à beira do fim do mundo.Fernando Naporano Dezembro de 2004(ex-crítico da Folha de São Paulo, Bizz, Correio Braziliense, Estado de São Paulo, Isto É, Interview, etc. e atual ensaísta e crítico musical da Bucketfull Of Brains, cultuada publicação de música inglesa).