Biografia Valete
Sou filho de São Tomenses. No fim dos anos 70, os meus pais vieram para Portugal. Meu pai veio estudar Engenharia Electrotécnica com uma bolsa de estudos e trouxe também a minha mãe. Já namoravam nessa altura. Fui um filho indesejado, a minha mãe ganhava dinheiro a costurar em casa e o meu pai sustentava-se com uma bolsa de estudos precária. Éramos pobres comó caralho. VivÃamos em Benfica, com mais duas famÃlias. Uma casa de 3 assoalhadas onde viviam 11 pessoas. Era mesmo fodido. Dinheiro nunca chegava e o meu pai teve que em vários momentos abandonar os estudos para ir trabalhar 10/12 horas por dia, em qualquer biscate que aparecesse.Cresci com o meu pai a contar-me histórias da época colonial em São Tomé e também muitas histórias do apartheid na Ãfrica do Sul. Creio ter sido daà que ganhei um certo espÃrito inconformado. Eu e o meu mano Dudu (1 ano mais novo que eu), que também vivia comigo em Benfica e mais tarde mudou-se para a Damaia de Cima, costumávamos passar os meses de Verão numa Colónia de Férias organizada pelo Hospital de Santa Maria (mãe dele era lá enfermeira). Lembro-me que para aà no ano de 90 ou 91 estava a bater bué Mc Hammer e Vanilla Ice. Nós passávamos a vida a dançar e a cantar aquilo. Na colónia organizávamos mesmo concursos de dança para ver quem se assemelhava mais ao Hammer ou ao Vanilla. Grandes Tempos.Uns tempos depois conheci um primo meu afastado, que vivia nos Olivais, e ele mostrou-me Public Enemy e Run DMC. Xiii aquilo era diferente, fuck Hammer e Vanilla. Sentia-se muita energia na rima, muita dureza nas palavras. Tinha 12, 13 anos, e ficava fascinado com a forma como aqueles rappers se expressavam livremente, sem medo do politicamente incorrecto, sem medo das informalidades. Também era fantástico ver o impacto que uma letra podia ter nas pessoas. Public Enemy eram quase como professores para muitos dos jovens que os seguiam.93 foi um ano decisivo para mim, e creio que para muitos rappers portugueses. Foi quando saiu o 1º álbum de Gabriel o Pensador. Foi o primeiro álbum de rap cantado em português que eu ouvi. Aquilo era mesmo viciante. E nessa altura foi quando pensei que também queria ser rapper, mas não avancei porque não tinha estÃmulos, não tinha mais ninguém para partilhar os meus gostos. Vivia na Calçada do Tojal em Benfica, e naquela zona só eu é que gostava de rap. Era foda.Em 95 conheci o Adamastor e o SÃlvio, também viviam em Benfica. E aà tudo mudou mesmo, eles falaram-me do programa Repto do José Mariño na Antena 3, tornei-me ouvinte assÃduo e fui também dos primeiros clientes da TV Cabo. Estava sempre sintonizado na MTV a ver o “Yo MTV Rapsâ€. Tornei-me quase um expert de HipHop music. Conhecia todos os mc’s, ouvia quase todos os álbuns.Em 96 já estava mesmo determinado a ser um rapper, achava já que tinha conhecimento suficiente da História para começar. O Adamastor também já tinha começado a escrever rimas e incentivava-me muito, mas lembro-me que num curto espaço de tempo aconteceram duas coisas marcantes. Saiu na rádio uma maquete de Dealema com Ace “Mafiliaâ€, e fui ao Johnny Guitar e vi o Nigga War e os Nexo a actuarem. Pensei: “Foda-se estes gajos são muitos bons, vou rimar para quê? Para ser só mais um?â€. Não tinha confiança nenhuma, abandonei a ideia de começar a rimar.Em 97, escrevi uma rima só mesmo naquela, mostrei ao Adamastor, ele curtiu, depois também mostrei ao Vinagre (que conheci nessa altura) e ele disse mesmo que não fazia sentido eu não continuar a rimar. Provavelmente senão fosse o incentivo do Adamastor e do Vinagre nunca teria continuado a rimar. São estas pequenas coisas que à s vezes traçam o destino d’um gajo.O Vinagre apresentou-me o Sam, e em casa do Sam gravámos uma maquete os 3. O Bomberjack ouviu e convidou-me a mim e ao Sam para a mix tape dele â€Reencontro do Vinyl vol 1â€. Foi talvez o momento mais feliz na minha carreira de rap. Nessa mix-tape participavam também o Sanryze, Boss Ac, Nexo, Family, PacMan etc. Alguns dos melhores rappers daquela altura. O people gostou do que rimei ali. Meu nome espalhou pela comunidade HipHop. O José Mariño também passou a minha parte algumas vezes no programa dele, e a partir daà comecei a ser convidado para concertos e outras mix-tapes. Ainda em 97, em casa do Bomberjack gravámos a nossa primeira maquete “Mundo Resignadoâ€. Ehehe podre comó caralho, mas era a primeira, compreende-se.Dei vários concertos, com o Adamastor, continuei a participar em mix-tapes do Bomberjack e também do Cruzfader. Nessa altura, 98 estava muito hábil a fazer improvisos. Vivi um ano na Margem Sul e lá passava as noites a fazer battles e improvisos. Algumas cenas que fiz em mixtapes foram mesmo sem escrever.O dia mais triste nesta minha Jornada pelo rap tuga foi em 99. Foi um concerto na margem sul. Ia actuar Nexo e Canal 115 (eu e o Adamastor). Levámos o Bomberjack, o Sam e o NBC para o nosso concerto. TÃnhamos ensaiado duas semanas, estava lá toda a gente do HipHop de Lisboa e arredores. Demos um grande concerto, dos nossos melhores, mas o publico simplesmente não se manifestou. Cantávamos as músicas e era silêncio total. Nem um aplauso, só faltava mesmo atirarem-nos com tomates. E mais fodido é que os Nexo actuaram a seguir a nós e arrebentaram com aquilo tudo, levaram o público à loucura. Para completar a organização nem nos pagou o cachet. Foi mesmo traumático para mim, jurei nunca mais subir num palco. Era novo, e depois daquilo abandonei praticamente o rap. Convidavam-me para concertos, participações, mix-tapes, negava tudo. Nem nunca mais me viram em festas de HipHop. Já não queria mais saber.Pouco tempo depois tinha entrado para a faculdade, para fazer o Curso de Ciências da Comunicação, já nem pensava em fazer rap. Estava deprimido, achava mesmo que ninguém me queria ouvir. Mas quem faz rap, sabe que isto é droga dura. É mesmo difÃcil largar. Conheci o Bónus, vi nele inspiração, e o Adamastor incentivava-me sempre, dizia que eu era especial, que eu tinha nascido para fazer rap. Motivei-me e em 2001 decidi fazer um álbum. Não tinha um tostão, nem sabia como e onde ia gravar o álbum. Tinham aparecido algumas editoras de rap, mas nenhuma me tinha feito convite. Estava desaparecido, muitos já nem se lembravam de mim, alguns pensavam mesmo que tinha abandonado o rap. Falei com o Bomberjack e ele deixou-me gravar os sons no home-studio dele. Depois mistura, masterização, reprodução de cd’s foi tudo pago com a ajuda dos amigos. Foi dessa forma que nasceu a Horizontal.Setembro de 2002, saiu o meu primeiro álbum “Educação Visualâ€. Foi pesado, superou qualquer expectativa que pudesse ter. Recebia props de norte a sul do paÃs. Senti mesmo que tinha feito algo importante para o rap português.Em 2004 pela Horizontal, lançámos Poesia Urbana vol 1, fiz para essa compilação um som chamado “Fim Da Ditaduraâ€. Senti que foi um som que também que teve muito impacto, inclusive pessoas muito distantes do HipHop, vinham-me falar desse som, e de como aquela música lhes tinha tocado. Esses elogios iam-me deixando cada vez mais confiante, comecei a acreditar mesmo que fazer rap, era quase como uma missão para mim. Devia isso à s pessoas que me seguiam.Em 2006, saiu o meu segundo álbum “Serviço Públicoâ€, o álbum teve um impacto bem para além da esfera do HipHop. Foi eleito pelos leitores do Blitz como uns dos 10 melhores álbuns de toda a música portuguesa em 2006, e foi também considerado por várias publicações como uma referência da música de intervenção em Portugal. O videoclip Anti-Herói teve 4 meses no top 20 dos videoclips mais votados da MTV, e sons como o “Roleta Russa†andavam na boca de toda a gente. Com o “Serviço Público†percebi mesmo que não era um mc só para “HipHoppersâ€. Senti mesmo que tinha esse dom para fazer rap comunicativo e para chegar com facilidade a todas as pessoas.Estou agora a trabalhar no meu 3º álbum. Para mim será quase como um inÃcio porque nesta altura sinto que estou na minha melhor forma de sempre, e quero mostrar ás pessoas toda a minha versatilidade no rap. Depois do álbum, virão concertos, e mais projectos ligados à Horizontal. Acreditem , agora é mesmo um só caminho.