About Me
Estação Melodia“Eu sei que não sou majestade. Não tenho, nem quero coroa. Eu quero é cantar na cidadeâ€. Estes versos de O Rei do Samba (Miguel Lima/ Arino Nunes) talvez funcionem como uma sÃntese da atual fase de Luiz Melodia: em seu primeiro trabalho essencialmente como intérprete, ele busca, sem firulas ou intervenções modernosas, potencializar os sentidos da palavra cantada. Em Estação Melodia, a voz dialoga diretamente com seus interlocutores, sem intermediários. E quando este diálogo é movido a samba, as coisas fluem ainda com mais naturalidade.Há seis anos, Melodia acalentava a idéia de um projeto sobre samba. Paralelo a isso, em meados de 2006, o cantor foi convidado para fazer um show especial em comemoração aos 70 anos do Teatro Rival. Focado em sambas de várias épocas, o espetáculo seria o embrião, por assim dizer, do disco. No carnaval deste ano, o repertório foi fechado e um desejo antigo começava a se delinear. Assim, cinco anos depois de seu último cd em estúdio, Melodia volta à cena com um trabalho de interpretação; que não deixa, em última instância, de ser também de composição: a assinatura que o cantor imprime à s canções é tão particular, que perpassa a nÃtida impressão de co-autoria.Conceitualmente, Estação é um mergulho estético e temático no samba dos anos 30, 40 e 50. O que não exclui canções de décadas posteriores, que aqui ganham a roupagem sonora “daquele tempoâ€. Com isso, o cantor Melodia brinca de cantar, cuja precisão vocal ganha ainda mais brilho associada à descontração caracterÃstica do tema em questão. O compositor Melodia só aparece em uma faixa, a incondicional Nós Dois(em parceria com Renato Piau), cuja beleza dos versos evidencia o grande arquiteto de canções que neste disco prefere dar novo sentido à s músicas alheias.Estação Melodia começa com um clássico de Cartola, Tive Sim, de 1968. Segue com canção da lavra de seu pai, Oswaldo Melodia, a filosófica Não Me Quebro à Toa – que assina ainda o sambão Linda Tereza ( dos versos “Linda Tereza/ Não tem razão pra você me abandonar/ Não posso mais viver assim), com auxÃlio luxuoso das Gatas (Silvia Nara, Zenilda Barroso, Zélia Bastos e Francisca Germano).Em contraponto, entoa “Eu agora sou feliz/ Eu agora vivo em paz/ Me abandone por favor/Que eu já tenho um novo amor/E já não te quero maisâ€, de Eu Agora Sou Feliz (Jamelão e Mestre Galo). A ode à mulher, tema ancestral do mundo do samba, aparece com as xifópagas Dama Ideal (AlcebÃades Nogueira/ Arnaldo Passos) e Chegou a Bonitona (Geraldo Pereira/ José Batista). O humor tÃpico de Geraldo Pereira vem com Cabritada Mal Sucedida, de 1953. O desalento amoroso marca presença com Papelão (de Geraldo das Neves, gravada por Paulinho da Viola em 72) e Recado que Maria Mandou (Haroldo Lobo/ Wilson Batista). Nesta estação tem samba, mas também chorinho, com a singela Choro de Passarinho (Renato Piau/ Euclides Amaral/ Rubens Cardoso), num duo com Jane Reis (esposa e empresária). A simbiose das vozes não deixa dúvida que, na música, a parceria também funciona. Completam o repertório Contrastes (Ismael Silva) e O Neguinho e a Senhorita (Noel Rosa de Oliveira/Abelardo Silva).Produzido por Humberto Araújo, Estação Melodia ratifica o intérprete de vários recursos e matizes. Não só. Alcança a proeza de desfiar um repertório de sambas antigos e clássicos (alguns nem tanto) sem cair na banalidade, trilhando em fio reto os caminhos da coesão. Melodia lança aqui sua visão simbólica sobre o universo do samba, através de seus elementos mais flagrantes: nesta Estação não faltam os passarinhos, a mulher idealizada, o quintal, o desalento, a redenção...Melodia pode não ter e querer coroa, mas o samba, com certeza, é sua nobreza.
(Sidimir Sanches)