José Medeiros, nascido na Ilha de S. Miguel, Açores, Compositor e Realizador, brindou-nos com obras que ficaram na memória colectiva como referência cinematográfica da nossa televisão pública. Quem não se lembra de tÃtulos de séries como “Xailes Negrosâ€, “Mau Tempo no Canal†ou “Gente Feliz com Lágrimasâ€,? começa aqui o campo de sonoridades utilizado e experimentado por José Medeiros. Para além de ter realizado estas obras, também foi ele o compositor das respectivas bandas sonoras, dando voz a cantoras de voz extraordinária como Susana Coelho ou Minela.
Apesar de sempre ter apresentado espectáculos de músicas que iam dos géneros Tradicional ao Popular e de Autor, escolhendo apresentações mais ou menos formais, pelas ilhas ou pelo continente, com formações eclécticas, só em 1999 José Medeiros edita o seu primeiro álbum, intitulado “Cinefilias e Outras Incertezasâ€, surpreendendo positivamente todos os que o ouviram pela primeira vez; a sua voz rouca e profunda enleva-nos desde a primeira frase, em mudanças de dinâmica constantes.
O seu último trabalho “Torna-Viagem†é Prémio José Afonso 2005
O Zeca é um pássaro. Ele canta, encanta, inventa e reinventa, sem nunca cansar quem o ouve – e que o vê. Porque ver o Zeca é tão importante como ouvi-lo. Há quem o compare a Tom Waits, mas em palco, ele faz sobretudo lembrar Jacques Brel – na entrega, no modo inteiro como interpreta as suas canções de amor e mágoa, esperança e desencanto e saudades de um futuro em que não desiste de acreditar, mesmo se o presente tantas vezes parece empenhado em desmenti-lo.
Há um par de anos, quando publicou Cinefilias e Outras Incertezas – e, depois, esse admirável Torna-Viagem, muito justamente coroado com o Prémio José Afonso – houve quem se espantasse com este talento. Como se o Zeca fosse um novato nestas andanças, como se só agora lhe tivesse dado para se pôr a escrever e a cantar coisas tão belas. Este espanto, confessado publicamente até por alguns intelectuais que tinham mais do que obrigação de estar atentos ao que de melhor se vai fazendo neste nosso paÃs de tantas ingratidões, só pode ser compreendido à luz de uma inexplicável desatenção perante as coisas boas do mundo.
Porque a verdade é que os dotes de compositor e intérprete de José Medeiros já são do domÃnio público há pelo menos um quarto de século – desde que deu corpo (e alma) a um projecto que dava pelo nome de «Rosa dos ventos» e se traduziu num disco a que, também na altura, poucos deram atenção: Rimando Contra a Maré, um notável conjunto de canções onde Zeca ensaiava já aquele que iria ser, fatalmente, o seu caminho na música.
Artista multifacetado, com obra feita na Televisão, no Teatro e no Cinema, o Zeca nunca canta a mesma canção duas vezes da mesma maneira. Fá-lo com a voz portentosa e única que recebeu dos deuses, mas também com as mãos, o rosto, o coração – o corpo todo, afinal, porque tudo nele é música.
Depois – last but not least – o Zeca é, provavelmente, o mais autêntico dos cantores da sua geração. Aquilo que se ouve e vê, nunca é apenas aquilo que parece ser – é mesmo aquilo que é e que ele transporta para o palco como mais ninguém. É por isso que sabe tão bem ouvi-lo –e é por isso que é tão importante vê-lo cantar.
Ainda por cima, o Zeca é uma das melhores pessoas que me foi dado conhecer e ter como amigo, o que não é nada despiciendo nestes tempos em que a honra e a verticalidade são tão desprezadas, em contraponto com a leviandade e a hipocrisia, convertidas em valores instituÃdos da sociedade do faz-de-conta em que nos querem fazer viver. Porque o Zeca é um homem do mundo e da música – mas que nunca nos dá música, e isso é o mais importante. Tudo o resto são cantigas.
Viriato Teles
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