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Não percam as reprises do do Show do DVD MTV - Ao Vivo - Arlindo Cruz na sexta feira dia 31 de julho as 17hs e domingo dia 2 de agosto as 19:45
Arlindo Cruz – MTV ao Vivo
É como um ciclo: de tempos em tempos certas figuras emergem das profundezas dos terreiros de subúrbio e das quadras das escolas para fazer o samba renascer, recolocar-se no mercado musical e na sociedade como um todo. Candeia, nos anos 1950, foi uma dessas figuras, emersa dos terreiros da Portela, em Oswaldo Cruz, para elevar o nÃvel artÃstico do samba (sobretudo as letras) sem perda de essência, e dar-lhe a consciência de seu papel polÃtico e cultural. Na década seguinte seria Martinho da Vila a transformar o partido-alto em moeda corrente e tornar o samba definitivamente parte da cultura pop brasileira, presente nas rádios, na TV, nas grandes audiências, também sem perda da tal essência.
Da Madureira do Império Serrano e do Pagode do Arlindo , das rodas de partido-alto de quartas à noite e domingos à tarde na quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, Arlindo Cruz prossegue essa linhagem já lá se vão 30 anos. O DVD e CD duplo “Arlindo Cruz MTV Ao Vivo†(Deckdisc) é, para além da celebração de uma obra, a consagração, como cantor, desse compositor que discretamente mudou a cara do samba nas últimas décadas. E mudou a cara preservando a essência, recolocando o samba no rádio, popularizando as rodas de samba, incentivando a rapaziada mais nova a ficar no samba, abrindo diálogos com a chamada MPB (quem Maria Rita procurou quando quis fazer seu disco de samba?) e com outros gêneros (como o hip hop de Marcelo D2, aqui presente), compondo muito e bonito para tudo quanto é cantor ou grupo novo, cultivando todos os gêneros, do partido-alto ao samba-enredo, do samba romântico ao de fundo social. Arlindo fez, nesses 30 anos, um discreto trabalho cultural que este novo projeto resume e evidencia.
Como Candeia e Martinho, Arlindo também cultiva fundamentalmente o partido-alto, apelidado hoje em dia de pagode, gênero-mãe do samba e gênero central em sua obra. Senão, ouçam o desfilar de partidos que abre essa gravação ao vivo no Citibank Hall de São Paulo: “Casal sem vergonha†(em citação instrumental), “Malandro sou euâ€, “Camarão que dorme a onda levaâ€, “SPCâ€, “Bagaço da laranjaâ€, “Da melhor qualidadeâ€, tudo gestado na quadra do Cacique, todos sucessos intensos Brasil afora nas vozes de Fundo de Quintal (grupo do qual Arlindo fez parte), da madrinha Beth Carvalho, a que primeiro notou o talento de Arlindo, e sobretudo do parceiro Zeca Pagodinho. É com a participação de Zeca, aliás, a música inédita feita pelos dois, “Vê se não demoraâ€, “um partido-alto, é claroâ€, como diz Arlindo antes de começar a versar. Trata-se de um clássico instantâneo do gênero (“Não é uma obra-prima, mas é uma bela canção/Até caprichei na rima pra alegrar seu coraçãoâ€, define Zeca num daqueles seus versos certeiros) que vagabundo vai certamente cantar adoidado nas centenas de rodas de samba que brotam paÃs afora, influenciadas por quem? Arlindo, Zeca e companhia. Pensem na importância cultural disso aÃ...
Como Candeia e Martinho, Arlindo também é mestre no samba elegante, de meio de ano, romântico. Ouça, só para citar um punhado, a nova “Bom aprendiz†(parceria com o filho Arlindo Neto), o velho sucesso “Fora de ocasiãoâ€, “Saudade louca†(com participação da madrinha Beth Carvalho) ou “Não dáâ€, nova parceria com o grande Wilson das Neves, confrade de Arlindo no Império Serrano.
Como Candeia e Martinho, Arlindo também é mestre no samba elegante, de meio de ano, romântico. Ouça, só para citar um punhado, a nova “Bom aprendiz†(parceria com o filho Arlindo Neto), o velho sucesso “Fora de ocasiãoâ€, “Saudade louca†(com participação da madrinha Beth Carvalho) ou “Não dáâ€, nova parceria com o grande Wilson das Neves, confrade de Arlindo no Império Serrano.
Como Candeia e Martinho, Arlindo também é notável e notório compositor de sambas-enredo. Canta aqui “Império do divinoâ€, do carnaval de 2006, um dos tantos seus com que a Serrinha desfilou na Marquês de SapucaÃ, e seguramente o melhor samba-enredo do carnaval carioca desde o célebre Kizomba, em 1988. Notem a emocionante introdução feita por agogôs, em homenagem à caracterÃstica da bateria “sinfônica†do Império, comandada por Mestre Ãtila. Canta também, acompanhado do filho e herdeiro musical Arlindo Neto, o samba-enredo mais popular de todos os tempos, “Aquarela brasileira†(do carnaval de 1964), do mestre do gênero, o também imperiano Silas de Oliveira. Sutilmente, contudo, antes de celebrar Silas, Arlindo homenageia dois imperianos que de fato formaram sua cabeça musical, o falecido Beto Sem Braço, grande Ãdolo de toda geração Cacique de Ramos, e Aluizio Machado, baluarte vivÃssimo, parceiro de Arlindo em “Império do divinoâ€.
Como Candeia e Martinho, Arlindo também compôs hinos do samba. É o caso de “O show tem que continuarâ€, com a qual homenageia Luiz Carlos da Vila, seu parceiro recém-falecido, o gênio da geração Cacique de Ramos, vê-se por essa letra o porquê.
Como Candeia e Martinho, Arlindo está atento à s influências de seu tempo. Tanto que encara o hip hop de Marcelo D2 (que improvisa sobre o samba “Mão finaâ€), o rapper que tanto se influencia pelo samba, nitidamente alargando o seu público e a abrangência estética de sua música.
Como Candeia e Martinho, Arlindo é compositor profissional, daqueles de fornecer música e sucesso para o cantores. O público do Citibank Hall em côro cantando com ele “O que é o amorâ€, sucesso recente de Maria Rita, é a emocionante prova da presença e da importância do compositor Arlindo Cruz na música popular brasileira contemporânea.
Dentre tantas semelhanças com os mestres Candeia e Martinho, uma diferença chama a atenção e talvez caracterize a música de Arlindo. Ao contrário dos dois, Arlindo é músico profissional, exÃmio nas cordas dedilhadas, sobretudo cavaquinho e banjo. Se não fosse compositor e cantor, poderia viver disso. Suas composições, sempre com interessantes soluções harmônicas e melodias trabalhadas, revelam que foram feitas por um músico (o que no samba, cheio de compositores mais intuitivos que técnicos, é um curioso diferencial). Portanto é significativa a abertura no show que dá ao flautista e saxofonista Dirceu Leite, de tocar instrumental o lindo samba canção “Ainda é tempo pra ser felizâ€, sucesso no dueto Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, aqui apresentado cheio de curvas e improvisos. Dirceu, aliás, tem um disco pronto, a sair, com versões instrumentais para clássicos da geração Cacique de Ramos, muitos dos quais de Arlindo.
Mas de novo, como a Candeia e a Martinho, a Arlindo interessa prosseguir na evolução do samba, esse “Velho malandro de corpo fechadoâ€, sensacional samba-definição de Arlindo Cruz e Franco. Na verdade, o que Arlindo faz sempre em CD, show ou DVD é recriar eternamente aquelas tardes no Cacique de Ramos ou na quadra do Império, é fazer samba com a naturalidade da vida.
Hugo Sukman