About Me
Quem conhece Mart’nália, de perto ou simplesmente por entender muito bem sua música, sabe que, para ela, madrugada não é exatamente a hora de botar a cabeça no travesseiro, rezar um Pai Nosso e dormir. Não mesmo. Muitas coisas podem estar só começando quando o relógio bate meia-noite. A cantora de Vila Isabel dedica Madrugada, o sétimo álbum de sua carreira, às boas noites que passa bem acordada.
Com produção musical dos craques Arthur Maia e Celso Fonseca e direção artÃstica de Marcia Alvarez, Madrugada não é um “prosseguimento†ou uma “evolução†de Menino do Rio, álbum solar lançado por Mart’nália em 2005. Mais que isso, é seu oposto, seu complemento, o outro lado daquela mesma moeda. A própria cantora tem isso claro na cabeça. “Menino do Rio deu super certo e eu sentia no ar aquela expectativa: ‘e agora, o que a Mart’nália vai fazer?, como vai superar esse disco?â€, ela conta. “Decidi que não queria superar nada, mas seguir o caminho contrário. E fui.â€
O “AlÃvio†de Arthur Maia e Djavan abre o álbum dando alguns recados. De madrugada o samba é mais manso, chega perto do sambacharme e se afasta do samba-de-roda diurno. A voz fica mais macia, mais quente. Amiga de Arthur Maia desde menina, Mart’nália quase foi sua parceira em “AlÃvioâ€. “Fiquei com essa melodia um tempão pra colocar letra. Acabou não rolando e o Arthur passou pro Djavan fazer. Quando ouvi a versão dele pronta, achei tão linda que dei graças a Deus por não ter entregado a minhaâ€, brinca. Mas isso não impediu outras parcerias entre os amigos de infância. Em Madrugada, a boa quÃmica da dupla aparece em duas: “Deu Ruim†(Arthur Maia/ Ronaldo Barcellos/ Mart’nália) e “Angola†(Arthur Maia/ Mart’nália/ Maré/ Paulo Flores).
Segundo Mart’nália, Arthur Maia traz à tona seu lado mais popular, despretensioso. E Celso Fonseca, sua porção mais sofisticada. Como tudo isso é dela (e ela gosta de juntar o que é aparentemente contraditório), decidiu que teria os dois dividindo a produção das faixas de Madrugada. Também um grande compositor, Celso colaborou com a contemplativa “Ela É Minha Caraâ€, uma espécie versão atualizada para “Garota de Ipanema†feita em parceria com Ronaldo Bastos. Foi para Celso Fonseca que Mart’nália fez o pedido: “Eu vou cantar essa música aqui, mas quero repetir duas vezes o verso ‘hoje eu sonhei que cerveja dá na bica’. Cerveja na bica é meu sonho de infância, arruma um jeitoâ€. Assim foi feito e “Sai Dessa†entrou para o repertório de Mart’nália com propriedade. Composto por Natan Marques e Ana Terra, o samba consta no último álbum lançado por Elis Regina – o mesmo de onde Mart’nália pescara “Só Deus É Quem Sabe†(Guilherme Arantes) para Menino do Rio. “Esse disco tocava muito em casa, tenho intimidade com ele. Mas não espero fazer nada à altura da gravação original. Nunca penso nisso. A primeira versão de qualquer música é sempre a melhor. Tudo o que vem depois é brincadeiraâ€, diz. E Madrugada traz mais dessas “brincadeirasâ€. Uma é “Batendo a Portaâ€, clássico lançado por João Nogueira em seu segundo LP, em 1974. A letra vingativa é do mestre Paulo César Pinheiro. Outra é “Alegre Meninaâ€, composta pela improvável dupla Dori Caymmi e Jorge Amado e originalmente cantada por Djavan na trilha sonora da novela “Gabrielaâ€. A versão de Mart’nália é dedicada a Nana Caymmi e ganhou vocais de Luiza Possi. “Como é uma música do filho do homem (Dorival Caymmi), chamei a filha da mulher (Zizi Possi) pra cantar comigo. Ela tem uma voz linda e fez o meu canto da sereiaâ€, diz. Uma terceira “brincadeira†é balada apaixonada “Sem Dizer Adeusâ€, escrita e já gravada por Paulinho Moska, antigo parceiro de Mart’nália.
Além de Moska, outros parceiros fiéis comparecem à roda de sambacharme de Madrugada. Co-autor dos pequenos hits “Chega†(no álbum Pé do Meu Samba) e “Pretinhosidade†(em Menino do Rio), o infalÃvel Mombaça contribui desta vez em “Tava por AÃâ€, samba de irresistÃvel apelo pop, daqueles de ouvir uma única vez e já sair pela rua cantando. Jorge Agrião, cantor e compositor de Vila Isabel – que em Menino do Rio presenteou a comadre com “Pra Mart’nália†– comparece com “Féâ€, feita em dupla com Evandro Lima. Já Thiago Mocotó, irmão e parceiro de Gabriel, o Pensador, nunca tinha composto nada para um disco de Mart’nália, mas já faz parte da turma há tempos. Em 1997, ele emplacou duas músicas suas no álbum coletivo Butiquim do Martinho e agora traz para a roda o samba “Não Encontro Quem me Queiraâ€, uma das grandes letras do álbum.
À beira de terminar, a madrugada de Mart’nália traz de volta o samba de Martinho da Vila que valeu como canção de ninar durante toda a infância da cantora. A politizada “Tom Maior†foi gravada originalmente pelo autor em 1969. “Sempre que ouço essa música, a imagem que me vem à cabeça é a da minha mãe com as crianças no colo, fazendo dormirâ€, diz. “É o ‘Boi da Cara Preta’ lá de casa.†A uma altura dessas, os primeiros raios de sol já começam a entrar pela fresta da janela. E é com uma versão personalÃssima da alegre “Don’t Worry, Be Happy!†que Mart’nália fecha o álbum e se despede da noitada. Nos shows, costuma brincar que é “num inglês de Vila Isabel†que ela canta os esperançosos versos originais de Bob McFerrin. Verteu outros para o português: “Relax que tudo fica diferente. Stress faz adoecer; amor, rejuvenescer. Sorria mais e leve a vida simplesmenteâ€. Tem jeito melhor de começar o dia?
Mart’nália cantando "Ela e Minha cara"