LAURA PALMER – TRÊS LUGARES IMAGINÃVEIS
Por Marco Antonio (Bart) Barbosa
"Experimental" é um termo hoje tão batido, que não define mais coisa alguma. Vamos à raiz, então: mais do que apenas experimental, Laura Palmer é um experimento. De sua formação à s influências no som, passando pelas letras e o formato único de suas sessões de estúdio, o grupo definitivamente NÃO está aqui para fazer o previsÃvel, o padronizado, o careta. Não à toa, sua música costuma causar no ouvinte o mesmo estimulante estranhamento que a série de TV "Twin Peaks" (de São David Lynch) - quem sabe, sabe - causava no espectador. A mesma aura de mistério surreal que envolvia a personagem que empresta o nome ao grupo é conjurada pela sonoridade do Laura Palmer - que é, a rigor, um quinteto, mas em torno do qual giram figurinhas mais do que carimbadas do novo e do novÃssimo rock carioca.
Isso
tudo desemboca no EP de estréia do Laura Palmer, "Três lugares imagináveis",
lançamento Tomba Recs. Assinando o disquinho estão André Mansur (guitarra,
programação e voz), Gilbert T. (guitarra e eletrodomésticos), Gil Mendes
(bateria), Bruno Marcus (programação e produção) e Isabela Ventura (baixo). É
uma turma que, apesar de nova, não é zero km: Mansur participou do Curinga, no
inÃcio da década passada; Gil & Gilbert tocaram no Tornado (e Gilbert ainda
bate ponto no Clube da Luta); Isabela passou pelos Morangos Mofados; e Bruno
integrou o coletivo hip hop Quinto Andar.
O mundo
de referências pop bastante particular em que vive o Laura Palmer é denunciado
já no tÃtulo do disco, que acena ao mesmo tempo para o The Cure ("Three
imaginary boys") e a cult-band paulistana Fellini ("Três lugares diferentes").
As três músicas mais intrigam do que explicam, tudo isso sem deixar de cativar.
"Menina Infinito visita a Estação das Brumas" traz letra (em inglês) falando de
um passeio da personagem-tÃtulo (criada na revista em quadrinhos "Mosh!") pelo
universo mórbido do Sandman. A trilha sonora remete ao lado etéreo do rock
inglês oitentista, numa levada trip hop. "Death metal is playing at my house
(and Def Leppard is playing at your house)" cruza noise e eletrônica -
distorção, blips & blops eletrônicos, vozes alteradas, num conjunto ainda
assim dançável. Uma batida disco-punk dá a tônica de "Sometimes it’s not enough
(dance to the radio)", com citação ao Joy Division de "Transmission" no refrão.
E um bônus fecha o EP: uma versão para a música “Xâ€, do duo eletrônico
niteroiense Saara Saara. A página do grupo no MySpace rotula-os, singelamente como "rock / electro / trip hop". Uma idéia melhor é
dada na lista de influências, que mistura Neil Gaiman, Robert Crumb e David
Lynch a modernices bacanas como LCD Soundsystem e velharias mais bacanas ainda
como Suicide e PIL. Ah: no mesmo endereço, as faixas do EP estão disponÃveis em
streaming ou em download gratuito. Experimente (olha a palavrinha aà de novo) no
virtual, e saia à caça do disco no mundo real.
Depois
de três anos sobrevivendo na zona cinza dos "projetos", o Laura Palmer afinal se
transformou em uma banda de fato e de direito. André Mansur acalentava desde
1999 a idéia de ter um grupo com esse nome. Um formato extremamente aberto de
fazer música também era parte fundamental do conceito. Todos os membros
fixos são vindos do que se convencionou chamar "o outro lado da poça" - ou seja,
as cidades de Niterói e São Gonçalo, separadas do Rio de Janeiro pela BaÃa de
Guanabara. A mistureba começa a partir dos agregados. Nas gravações (nem todas
constam neste EP) pontificam membros do Jumbo Elektro (Tatá Aeroplano, "tocando"
seus "toys"), Zumbi do Mato (Löis Lancaster - baixo e trombone), LuÃsa Mandou um
Beijo (Fernando Paiva – guitarra e letra), Noitibó (Alex Frechette – guitarra e
letra), Sex Noise (Larry Antha - voz), Djangos (Marco Homobono -
guitarra), Voz Del Fuego (a própria - voz), Set Setters (Hudson – programação).
Além dos polivalentes De Leve, Pedrão Selector (trompetista de B.Negão e da
PELVs), Silvio Essinger (o famigerado escriba pop, aqui tirando onda de
guitarrista) e Luciana Lazulli (cantora do Lazulli Quartet Jazz e colaboradora
do duo Saara Saara). Com certeza, até este release chegar em suas mãos,
esse time sofreu um acréscimo.
Diante
dessa gente toda, mais uma vez o caráter de experimento sobe à tona. O Laura
Palmer quer variar sua formação a cada show, com o repertório mudando de acordo
com os convocados. O critério de escolha das participações, tanto no palco
quanto em estúdio, é apenas a amizade e a afinidade musical entre os convidados
e os membros fixos. Num dia, o LP pode se resumir apenas a seu mentor, André
Mansur, com um banquinho e um violão (e/ou um laptop). Noutro, um batalhão de
seres barulhentos pode plugar seus amplificadores para tocar, digamos, todo um
álbum do Velvet Underground, na Ãntegra e na ordem. A única constante é de que
os shows do Laura Palmer serão sempre curtos - curtos mesmo, 15 ou 20 minutos.
Não chegue atrasado ou perderá o experimento.
Marco Antonio (Bart) Barbosa é jornalista, assina a coluna Lado B, na revista Programa do Jornal do Brasil, e é amigo de infância de André Mansur -- e se há dezenove anos atrás não tivesse emprestado o álbum Psychocandy ao Mansur, hoje não existiria o Laura Palmer.
Quem fez o que no EP:
Menina Infinito Visita a Estação das Brumas – Luciana Lazulli (voz), Gilbert T (guit), Isabela Ventura (bx), André Mansur (guit) e Bruno Marcus (teclado e programações). Letra de André Mansur
Death Metal is playing at my house (and Def Leppard is playing at your house) – André Mansur (voz, guit e teclado), Gilbert T (guit), Isabela Ventura (bx), Gil Mendes (bat) e Bruno Marcus (programações). Letra de André Mansur e Fernando Paiva
Sometimes it’s not enough (dance to the radio) – André Mansur (voz), Bix (voz), Luciana Lazulli (voz), Isabela Ventura (bx e voz), Gilbert T (guit e secador de cabelos), Gil Mendes (bat), De leve (sampler), SÃlvio Essinger (guit) e Pedro Selector (trompete). Letra de Crib Tanaka
X – Larry Antha (voz), Márcia Palmar (voz), Fabiano Cotonete (guit), André Mansur (guit e teclado), Kléber Murilo (bx) e Bruno Marcus (programações). Letra de Sérvio Túlio